Por unanimidade, a Seção Especializada de Dissídios Coletivos (SDC) do TRT-MG reconheceu a validade de norma coletiva negociada entre os Supermercados BH e o Sindicato dos Empregados no Comércio de Conselheiro Lafaiete e Região, que autoriza o trabalho nos feriados. A decisão se baseou nas alterações trazidas pela Lei nº 13.467/17 e nos princípios da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva e da prevalência da norma mais específica.
No caso, trata-se de Ação Anulatória de Cláusula Normativa (AACN) ajuizada pelo Sindicato do Comércio Varejista de Conselheiro Lafaiete, com a pretensão de que fosse reconhecida a nulidade da norma coletiva que permite o trabalho nos feriados, especificamente da cláusula 26ª do acordo coletivo de trabalho (ACT) firmado entre a empresa Supermercados BH Comércio e o Sindicato dos Empregados no Comércio de Conselheiro Lafaiete e Região e de Alimentos LTDA. Mas o pedido não foi acolhido pela SDC do TRT mineiro.
A norma coletiva em questão, nos limites da sua competência territorial, autoriza a empresa, ou seja, os Supermercados BH, a utilizar a mão de obra de seus empregados nos feriados, exceto nos dias 1º/1/2018 (Dia da Confraternização Universal), 1º/5/2018 (Dia do Trabalho), 25/12/2018 (Natal). Quanto ao trabalho nos feriados, a cláusula ainda estipula a jornada máxima de 8 horas, o pagamento em dobro do dia, proíbe prestação de horas extras e a compensação em banco de horas, e, ainda, prevê multa de 200 reais a favor do empregado em caso de desrespeito ao pactuado.
Afirmou o sindicato-autor que o art. 6º-A da Lei nº 10.101/2000 estabelece que o trabalho em feriados nas atividades de comércio em geral, aí incluídos os supermercados, exige autorização prévia em convenção coletiva de trabalho – CCT (celebrada pelos sindicatos das categorias profissional e econômica) e respeito à legislação municipal. Entretanto, no caso, a autorização se deu por acordo coletivo de trabalho – ACT (firmado entre a empresa e o Sindicato dos Empregados no Comércio de Conselheiro Lafaiete e Região), ou seja, por instrumento impróprio.
Mas, adotando o entendimento do relator, juiz convocado Carlos Roberto Barbosa, a SDC do TRT mineiro decidiu que o ACT teve como objetivo compor os interesses coletivos dos trabalhadores e da empresa, inclusive ao autorizar o trabalho nos feriados. O relator lembrou ainda que o Decreto nº 9.127/2017 incluiu o comércio varejista de supermercados e de hipermercados no rol de atividades autorizadas a funcionar permanentemente aos domingos e feriados civis e religiosos, o que exclui a aplicação do artigo 6º-A da Lei nº 10.101/2000 à categoria econômica.
Mas não foi só: o julgador também pontuou que a Ação Anulatória de Cláusula Normativa, em relação à norma que tenha sido celebrada após 11/11/2017, como foi o caso, deve observar as alterações introduzidas pelos artigos s. 8º, § 3º, 611-A e 620 da CLT. Essas regras, explicou, introduziram no ordenamento jurídico o entendimento já sedimentado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, em especial o julgado no RE nº 590.415, Rel. Min. Roberto Barroso, DJE de 29/05/2015, de que as normas coletivas devem ser prestigiadas e, quando submetidas à apreciação do Poder Judiciário, precisam ser vistas sob os ângulos dos princípios da intervenção mínima da autonomia da vontade coletiva e da prevalência da norma coletiva mais específica sobre a norma mais geral.
Além disso, contribuiu para o entendimento do relator o fato de o acordo coletivo ter sido celebrado com respeito aos elementos essenciais do negócio jurídico, os quais foram devidamente preenchidos. Segundo o magistrado, trata-se de “transação feita por meio da autonomia privada coletiva protegida pelos arts. 7º, XXVI, e 8º, II, da Constituição da República, devendo ainda serem prestigiados os referidos princípios introduzidos pela Lei nº 13.467/17”.
Reforma trabalhista – Na decisão, foi ressaltado que a norma coletiva atacada foi celebrada em 24/08/2018, com vigência retroativa de 01/03/2018 a 28/09/2019. Sendo assim, são aplicáveis os artigos 8º, § 3º, e 611-A, inciso XI, e 620 da CLT, acrescidos pela Lei nº 13.467/17, os quais determinam que:
“Art. 8º (…) § 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.”
“Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: XI – troca do dia de feriado;”
“Art. 620. As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho”.
Segundo esclareceu o julgador, diante da nova ordem jurídica em vigor, a apreciação do pedido declaratório de anulação de cláusula de norma coletiva deve ter em vista os princípios da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva (art. 8º, § 3º, da CLT) e da prevalência da especificidade (art. 611-A, inciso XI, da CLT), introduzidos pela Lei nº 13.467/17, mais conhecida como lei da reforma trabalhista, “ainda que no caso concreto se trate de fixação de valor mínimo do labor em feriado no importe de R$ 70,00”.
O entendimento do STF – O juiz convocado ainda transcreveu trecho da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário 590.415, cujo relator foi o ministro Roberto Barroso:
“A Constituição reconheceu as convenções e os acordos coletivos como instrumentos legítimos de prevenção e de autocomposição de conflitos trabalhistas; tornou explícita a possibilidade de utilização desses instrumentos, inclusive para a redução de direitos trabalhistas; atribuiu ao sindicato a representação da categoria; impôs a participação dos sindicatos nas negociações coletivas; e assegurou, em alguma medida, a liberdade sindical (…)’; (b) ‘a Constituição de 1988 (…) prestigiou a autonomia coletiva da vontade como mecanismo pelo qual o trabalhador contribuirá para a formulação das normas que regerão a sua própria vida, inclusive no trabalho (art. 7º, XXVI, CF)’; (c) ‘no âmbito do direito coletivo, não se verifica (…) a mesma assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Por consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual’; (d) ‘(…) não deve ser vista com bons olhos a sistemática invalidação dos acordos coletivos de trabalho com base em uma lógica de limitação da autonomia da vontade exclusivamente aplicável às relações individuais de trabalho”.
Pontuou o relator que, de acordo com a decisão do STF, os instrumentos de negociação coletiva não devem ser desconsiderados apenas porque contrariam a lei, mas somente nos casos em que negociem setorialmente parcelas trabalhistas de indisponibilidade absoluta. “O Supremo Tribunal definiu as parcelas que reputa de indisponibilidade absoluta, ou seja, que não poderão ser negociadas, o que veio a ser posteriormente incorporado e pormenorizado na Lei nº 13.467/17 ao acrescentar o art. 8º, § 3º, da CLT com o princípio da intervenção mínima, acrescentou.
Quando o acordo coletivo prevalece sobre a CCT – Para o juiz convocado, a pretensão do sindicato autor também contraria o artigo 611-A, inciso XI, da CLT, que, ao fixar o princípio da prevalência da especificidade, determina que o acordo coletivo, como é o caso, deve prevalecer sobre o que há em convenção coletiva, possibilitando que a norma específica contrarie a norma de caráter mais geral.
O relator explicou que, nessa linha, o acordo coletivo negociado diretamente entre a empresa e seus empregados sobrepõe-se nos casos em que a convenção coletiva é omissa sobre um tema específico, ou nem mesmo foi celebrada. “Nem se diga que o disposto no art. 6º-A da Lei nº 10.101/2000 constitui exceção à regra, uma vez que o princípio ora referido foi incluído por norma jurídica posterior, a Lei nº 13.467/17, além de que a interpretação ora conferida se revela consentânea com o decidido pelo STF nos autos do RE nº 590.415, com repercussão geral reconhecida, julgado em 29/05/2015”, enfatizou.
Para afastar qualquer dúvida sobre a questão, o juiz Carlos Roberto Barbosa pontuou que o Decreto nº 9.127/2017 incluiu o comércio varejista de supermercados e de hipermercados no rol de atividades autorizadas a funcionar permanentemente aos domingos e aos feriados civis e religiosos, o que contraria a pretensão do sindicato autor de condicionar o funcionamento do supermercado réu à convenção coletiva de trabalho com base no artigo 6º-A da Lei nº 10.101/2000.
Conclusão: validade da cláusula – Na visão do relator, ficou claro que “o acordo coletivo que autoriza o supermercado réu a funcionar em feriados atende aos princípios legais e constitucionais, não existindo proibição ou mesmo necessidade de prévia autorização por meio de convenção coletiva do trabalho, já que o artigo 6º-A da Lei nº 11.101/2000 não se aplica à hipótese ora analisada tendo em conta o disposto nos arts. 8º, § 3º, 611-A, inciso XI, e 620 da CLT, Decreto nº 9.127/17 e o entendimento firmado pelo STF no julgamento do RE nº 590.415, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 29/05/2015”.
Foi ressaltado ainda na decisão que a norma coletiva que se pretendia anular foi negociada entre as partes sem qualquer vício, seja de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão, simulação, ou fraude contra credores, nos termos dos artigos 138 a 184 do Código Civil. Isso porque a negociação foi realizada por agentes capazes, com objetivo lícito, possível e determinado, não havendo forma proibida em lei, incapacidade das partes, vício da declaração de vontade e nem prova de má-fé das partes signatárias, devendo, portanto, ser presumida a boa-fé.
Por todas essas razões, a SDC do TRT-MG julgou totalmente improcedente a ação anulatória de cláusula normativa, inclusive, revogando a antecipação dos efeitos da tutela que havia sido concedida em decisão anterior.
Fonte : TRT3