O empregado que recebe à base de produção, como é o caso do comissionista puro, não pode ser obrigado a atuar no caixa, mesmo que a atividade seja prevista contratualmente. Isso porque esse trabalho, nesse caso, não é remunerado, situação incompatível com o ordenamento jurídico vigente.
O entendimento é dos julgadores da Décima Turma do TRT-MG, ao manter decisão oriunda da 1ª Vara do Trabalho de Formiga, que reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho de uma vendedora que também tinha que responder pelo caixa sem nada receber por isso.
As provas apontaram que não havia caixas na loja da empresa varejista onde ela trabalhava, sendo os recebimentos feitos pelos próprios empregados. Foi relatado que o recebimento em dinheiro pelo vendedor era frequente, principalmente de boletos de compras a prazo que eram quitados na própria loja. Caso fossem apuradas diferenças no final do dia, os empregados tinham que pagar do próprio bolso.
Na sentença, o juiz de primeiro grau observou que a responsabilidade pelo caixa era de todos e, ao mesmo tempo, de ninguém. Segundo ponderou, esse procedimento gera lucro ao empregador e ônus ao trabalhador sem a devida contrapartida. Para o juiz sentenciante, a ausência de contraprestação salarial, aliada à cobrança de diferenças de caixa, autoriza a rescisão do contrato de trabalho, nos termos da alínea “d”, do artigo 483, da CLT. Como consequência, a empresa foi condenada ao pagamento das parcelas rescisórias decorrentes.
Mas a reclamada não se conformou e recorreu ao TRT-MG para tentar reverter a condenação. O argumento apresentado foi o de que a atuação no caixa é inerente à função de vendedor, para recebimento das vendas por ele realizadas. Além disso, a tarefa foi prevista no contrato de trabalho.
Entretanto, a desembargadora relatora Taísa Maria Macena de Lima não acolheu os argumentos da recorrente. “A reclamante era vendedora e recebia somente à base de comissões pelas vendas efetuadas. Logo, a realização de função relativa ao caixa a desviava de sua função de vendedora. Portanto, trabalhava sem receber remuneração, ficando prejudicada na sua produção”, fundamentou no voto.
A decisão destacou que o não recebimento pela atividade de caixa constitui trabalho de graça em prol do empreendimento, situação vedada pelo ordenamento jurídico vigente.
Quanto à previsão da tarefa de caixa no contrato de trabalho, a desembargadora entendeu que isso não afasta a falta cometida pela empregadora. “Diante da previsão contratual, a ré pode realmente exigir que o vendedor atue no caixa, mas, em contrapartida, tem a obrigação de remunerar seu empregado para tanto”, explicou.
Em sua análise, a desembargadora observou que a atribuição da atividade de caixa a vendedor não remunerado implica transferência dos riscos do negócio ao empregado, com violação ao princípio da alteridade. Segundo esse princípio, o trabalhador não pode ser responsabilizado por prejuízos ou oscilações financeiras da empresa Também identificou a violação ao princípio da intangibilidade salarial, por ter o empregado que suportar diferenças de caixa. De acordo com esse princípio, o salário do trabalhador não pode ser reduzido de forma arbitrária.
Nesse contexto, a conduta da empregadora foi enquadrada no disposto na alínea “d” do artigo 483 da CLT, segundo o qual o empregado poderá considerar rescindido o contrato e postular a devida indenização quando houver o descumprimento das obrigações contratuais por parte do empregador.
Os integrantes da Turma acompanharam o voto para negar provimento ao recurso da varejista e manter a rescisão indireta declarada em primeiro grau. A empresa recorreu da decisão, mas o TRT-MG não admitiu o recurso de revista.
Fonte: TRT3