A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou a teoria da perda de uma chance para estabelecer a responsabilidade de um banco pelo prejuízo que um investidor teve ao ser privado de negociar suas ações por valor maior, após elas serem vendidas sem autorização.
Por unanimidade, o colegiado negou o recurso apresentado pelo banco e confirmou o dever de indenizar, nos termos do acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), com base no enquadramento dos fatos aos pressupostos da teoria da perda de uma chance.
Segundo o processo, o investidor contratou o banco para intermediar seus pedidos de compra e venda de ações na bolsa de valores. Para tanto, pediu um empréstimo para a compra das ações.
Na Justiça, o correntista alegou que, sem consultá-lo, o banco vendeu as ações, o que lhe trouxe prejuízo, pois o impediu de negociar os papéis em condições melhores. O valor reclamado a título de indenização tomou por base a cotação das ações um ano depois da venda, quando estavam bem mais valorizadas.
No recurso apresentado ao STJ, o banco alegou que as ações alienadas eram garantia do empréstimo tomado pelo correntista. Segundo a instituição financeira, em dado momento, o correntista utilizou todo o limite de sua conta, não efetuando a reposição dos valores em tempo hábil. Assim, o banco realizou o resgate/liquidação das ações da carteira para repor o crédito utilizado pelo cliente.
Teoria
O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que a doutrina enquadra a teoria da perda de uma chance em categoria de dano específico, que considera “a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado”.
De acordo com Salomão, a teoria não se aplica na reparação de “danos fantasiosos”, não servindo para acolher “meras expectativas”. No entender do ministro, o objetivo é reparar a chance que a vítima teria de obter uma vantagem.
No caso em análise, o investidor, tendo em vista a venda de suas ações sem autorização, perdeu a oportunidade de negociá-las em outro momento mais vantajoso.
“É plenamente possível reconhecer, sem muito esforço, que o ilícito praticado pelo recorrente impediu a chance de obtenção de vantagem esperada pelo investidor-autor, qual seja, a venda das ações por melhor preço, chance, inclusive, referendada pelo fato próximo e concreto da valorização das ações (um dia após a venda ilícita)”, afirmou.
Segundo Salomão, como o banco nunca apresentou o contrato que comprovaria as alegações de que as ações vendidas funcionavam como garantia do empréstimo, o caso deve ser analisado a partir do pressuposto de que a venda ocorreu sem a autorização do autor, configurando, por consequência, ato ilícito do banco, capaz de fundamentar a responsabilização por eventual dano sofrido pela outra parte.
“Nesse particular, o dano sob investigação consiste exatamente na perda da chance de obter uma vantagem, qual seja, a venda daquelas ações por melhor valor”, explicou.
Oportunidade perdida
Para aplicação da teoria da perda de uma chance e consequente dever de indenizar, segundo Salomão, é preciso reconhecer o nexo de causalidade entre o ato ilícito – a venda antecipada das ações – e o dano – a perda da chance de venda valorizada dos papéis.
O relator destacou que o vínculo fundamental para caracterizar a responsabilidade do banco não está entre a conduta da instituição e o evento final – no caso, a valorização das ações. “Interessa ver a relação entre a conduta e a própria oportunidade perdida, o que independe, em absoluto, de qualquer elasticidade do conceito de nexo de causalidade”, destacou.
Segundo o ministro, conforme foi reconhecido pelo tribunal gaúcho, o caso em análise não tratou da perda de resultado certo, mas sim da perspectiva de obter lucro, sendo que no caso tal probabilidade era patente em razão da valorização das ações justamente um dia após a operação irregular feita pelo banco.
“A despeito das alegações do recorrente, a verdade é que as características do mercado de ações, a imprevisibilidade das valorizações e depreciações, invocadas pelo recorrente como impeditivas da responsabilização, no fundo acrescem às razões para a incidência da teoria, porque corroboram a afirmativa de que havia a chance de serem vendidas melhor”, explicou.
Resultado razoável
O ministro frisou, na linha do que definem a doutrina e a jurisprudência do STJ, que para aplicação da teoria é preciso verificar em cada caso se o resultado favorável seria razoável, ou se não passaria de mera possibilidade aleatória.
“O dano causado na responsabilidade civil pela perda de uma chance é a perda da chance em si considerada, e não a vantagem esperada. Por isso, a indenização deve corresponder à própria chance, e não ao resultado útil esperado”, disse.
No caso analisado, o investidor havia pedido que o valor da indenização levasse em conta o preço que as ações alcançaram na Bovespa até o final do ano de 2008 – um ano após serem vendidas sem autorização pelo banco.
O relator destacou, porém, que, segundo o processo, o investidor tinha o hábito de não permanecer longo período como titular das ações que adquiria, costumando negociá-las poucos dias depois da compra.
Assim, Salomão decidiu que, para efeito de indenização, deve ser mantido o cálculo feito pelo TJRS, uma vez que não é possível saber com exatidão quando as ações seriam efetivamente negociadas e qual valor teriam nesse momento.
O perfil de negociação do investidor foi considerado pelo tribunal estadual, que calculou a indenização observando a diferença entre o valor pelo qual foram vendidas as ações e a média da cotação alcançada nos dois dias seguintes.
Processo: REsp 1540153
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Fonte : AASP