Os herdeiros de um carteiro falecido em 2015 procuraram a Justiça do Trabalho discordando da justa causa aplicada ao pai pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Isto porque, segundo alegaram, ele sofria de alcoolismo e deveria ter sido encaminhado ao INSS para afastamento. O caso foi examinado pela juíza Paula Borlido Haddad, da 1ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.
Após detida análise das provas e em sentença bastante fundamentada, a magistrada deu razão aos familiares e reconheceu que o trabalhador foi vítima de discriminação em razão da doença que o acometia. Na sentença, declarou nula a justa causa aplicada e condenou os Correios ao pagamento de verbas rescisórias, por ser impossível a reintegração. Também determinou o pagamento de uma indenização por dano moral no valor de R$ 30 mil.
O carteiro trabalhou de 24/10/1991 a 8/4/2014 para a ECT, quando foi dispensado por justa causa. De acordo com a empresa, após o processo administrativo, a dispensa foi recomendada pelo departamento jurídico com base no histórico do trabalhador. Os motivos apontados foram vários: mau procedimento, desídia, embriaguez, indisciplina e ofensa física, tudo conforme previsto no artigo 482 da CLT, que regula a matéria. O processo administrativo indicou que o empregado já havia sofrido advertências e suspensão. No dia 24/7/2013, apareceu no ambulatório com “forte hálito de bebida alcoólica, visivelmente alterado”. Na oportunidade, além de desacatar médicos e empregados, jogou um copo de água na atendente, que atingiu também o computador e outros materiais que se encontravam na mesa de trabalho.
Para a magistrada, ficou evidente que os comportamentos equivocados apresentados pelo trabalhador estavam vinculados à condição de dependente químico. Apesar de não constar a causa da morte na certidão de óbito, ela se convenceu de que isso se deu em razão do alcoolismo. Documentos revelaram que o pai de família já tinha problemas psiquiátricos graves, como depressão, esquizofrenia, problemas intestinais, além da nefrolitíase renal. A juíza notou também que ele teve uma perda de peso considerável, o que concluiu ser decorrente do abuso do álcool. “A doença acometida e sua progressividade culminaram numa condição física e psíquica irrecuperáveis ao trabalhador”, concluiu.
Ainda conforme ponderado, a empresa tinha conhecimento de que o empregado sofria de dependência química severa, tanto que o encaminhou a programa de tratamento social, com diversos licenciamentos para tratamento e tentativas de reabilitação, todas sem sucesso. Os depoimentos das testemunhas reforçaram a conclusão da juíza de que o problema de saúde do trabalhador era grave e de conhecimento notório.
“Embora a ré tenha agido bem encaminhando o reclamante a tratamentos, participando de projetos contra o alcoolismo, a empresa não esgotou os recursos disponíveis para promover e preservar a saúde do trabalhador”, frisou na sentença. Diante da ausência de resultados das medidas disciplinares aplicadas, pontuou que o empregador tinha por obrigação legal encaminhar o empregado ao INSS, na forma dos artigos 59 e 60 da Lei nº 8.213/91, até que ele obtivesse a oportunidade de se reabilitar antes de retornar ao trabalho ou então fosse concedida a aposentadoria por invalidez. O termo de curatela também foi mencionado na decisão como prova do grave estado de saúde em que se encontrava o falecido empregado. Ademais, ficou demonstrado que o sindicato se negou a homologar a rescisão contratual em razão da dependência química do trabalhador.
“A embriaguez habitual no serviço, ao contrário da embriaguez eventual, trata-se de patologia, associada a distúrbios psicológicos e mentais de que sofre o trabalhador”, ensinou a julgadora, explicando que, se o empregado sofre de dependência crônica de alcoolismo, deve ser licenciado, mesmo compulsoriamente, para tratamento de saúde. Se for o caso, deve ser aposentado, por invalidez. Mas a dispensa não é cogitada, segundo a julgadora, por ser o trabalhador “titular de direito subjetivo à saúde e vítima do insucesso das políticas públicas sociais do Estado”.
O entendimento adotado se baseou em literatura médica, jurisprudência do TRT/MG e do TST. A juíza registrou que o procedimento da ECT já foi reiterado em outras circunstâncias, com outros funcionários que sofriam de alcoolismo. Ela chamou a atenção para a existência de outros julgados do TST, nos quais a ré tenta fazer crer ter esgotado todas as boas condutas, aplicando justa causa por mais de um motivo, sempre vinculados à condição da doença que acomete os trabalhadores.
Houve recurso, ainda não apreciado pelo TRT de Minas.
Fonte: TRT3