A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que, como regra, os depósitos bancários em nome de pessoas jurídicas que operam com finalidade empresarial não estão protegidos pela impenhorabilidade prevista no artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil (CPC). O colegiado também reforçou que, conforme decidido no Tema Repetitivo 243, a impenhorabilidade, nos casos legais, é presumida, cabendo ao credor demonstrar a má-fé, o abuso de direito ou a fraude para que a regra seja excepcionada.
O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao dar parcial provimento a recurso especial de devedores e reconhecer a impenhorabilidade dos valores em contas bancárias das pessoas naturais executadas, até o limite de 40 salários mínimos, mantendo, porém, a penhora sobre a quantia de titularidade da pessoa jurídica. A turma ainda considerou que não há bis in idem na incidência de multa e honorários sobre o valor relativo às astreintes por descumprimento de decisão judicial (artigo 523, parágrafo 1º, do CPC).
Em segunda instância, além de afastar o bis in idem entre a multa cominatória e as penalidades previstas pelo artigo 523, parágrafo 1º, do CPC, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão de primeiro grau de bloqueio de valores nas contas de pessoas físicas e de uma pessoa jurídica, por considerar as verbas penhoráveis. Para o TJSP, os devedores demonstraram reiterado comportamento desidioso ao descumprir determinações judiciais, além de não terem juntado aos autos documentos que permitissem a aplicação da regra da impenhorabilidade.
Multa cominatória tem natureza mista
O ministro Marco Aurélio Bellizze, relator no STJ, explicou que a multa cominatória tem natureza mista: se apenas foi estipulada pelo juízo, mas ainda não efetivamente aplicada, caracteriza-se como coercitiva, com o objetivo de compelir o devedor a não atrasar o cumprimento da obrigação; porém, quando é aplicada, a multa também adquire caráter indenizatório, o que justifica o artigo 537, parágrafo 2º, do CPC considerar o exequente titular do respectivo valor, o qual é incorporado ao seu patrimônio.
Nesse contexto, o relator apontou que, quando o credor busca o pagamento do valor das astreintes, e não do cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o procedimento é o mesmo adotado para o cumprimento de obrigação de pagar quantia certa (artigos 523 a 527 do CPC).
“Por conseguinte, aplicam-se as sanções do artigo 523, parágrafo 1º, do CPC (multa de 10% e honorários de 10%) na hipótese de o devedor não efetuar o pagamento no prazo legal, ainda que se trate de cumprimento provisório de sentença, já que o parágrafo 2º do artigo 520 do CPC expressamente reconhece a sua incidência nesse procedimento”, resumiu.
Impenhorabilidade não pode ser estendida às empresas de maneira indistinta
Em relação à impenhorabilidade de valores até 40 salários mínimos, Marco Aurélio Bellizze lembrou que a jurisprudência considera que a proteção abrange não somente a poupança, mas os depósitos em conta-corrente e as aplicações financeiras em geral. Ele observou também que, conforme entendido pelo STJ no Tema Repetitivo 243, cabe ao credor demonstrar a ocorrência de má-fé, abuso de direito ou fraude para afastar essa proteção.
De acordo com Bellizze, contudo, o tribunal de origem entendeu que os valores bloqueados seriam superiores aos salários ou proventos recebidos pelos devedores, levando a crer que outras movimentações eram realizadas nas contas bancárias, além daquelas destinadas ao sustento dos executados.
“À vista disso, torna-se imperioso o provimento do recurso especial no ponto, a fim de determinar a liberação dos valores presumidamente impenhoráveis, até o limite de 40 salários mínimos, no que tange aos devedores pessoas naturais”, afirmou.
Já no tocante à pessoa jurídica, o ministro considerou que não incide a regra da impenhorabilidade, tendo em vista a sua finalidade empresarial.
“A aludida regra da impenhorabilidade busca a proteção da dignidade do devedor e de sua família, mediante a manutenção de um patrimônio mínimo e a preservação de condições para o exercício de uma vida íntegra, ou seja, a proteção é destinada às pessoas naturais, não podendo ser estendida indistintamente às pessoas jurídicas, ainda que estas mantenham poupança como única conta bancária”, concluiu.
Fonte: STJ