A 3ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região reconheceu o direito do herdeiro de um trabalhador morto em serviço em 1999 de receber indenização por danos morais de R$ 200 mil, além de uma pensão por danos materiais no valor de dois salários-mínimos mensais no período de 1º de junho de 1999 a 23 de outubro de 2020, acrescidos de correção monetária, juros e também do terço de férias e do 13º salário. A decisão confirmou a sentença proferida pelo Juízo da Vara do Trabalho de Porto Ferreira.
A empresa Guaçu S/A de Papéis e Embalagens alegou que a ação ajuizada somente em 6 de outubro de 2014 estaria prescrita desde 2013, uma vez que o herdeiro, que nasceu em 23 de outubro de 1995, ao completar 16 anos em 2011, poderia ter ingressado em juízo por meio de representante legal. O relator do acórdão, desembargador José Carlos Abile, negou a alegada prescrição bienal, e lembrou que, segundo o disposto no artigo 440 da CLT,”não corre o prazo prescricional contra menores de 18 anos”, e que abrange “tanto a condição de trabalhador quanto a de herdeiro menor de trabalhador falecido”. Segundo o acórdão, “considerando que o herdeiro completou 18 anos apenas em 23 de outubro 2013, quando a prescrição para ele começou a fluir, e ajuizou a presente reclamação trabalhista em 6 de outubro de 2014 (dentro do prazo bienal)”, não se pode falar em prescrição nuclear do direito vindicado.
A empresa também tentou provar que o infortúnio ocorreu por culpa exclusiva do trabalhador, e por isso pediu que fosse afastada a teoria do risco criado e excluída a reparação civil. Para o colegiado, porém, “mesmo que se aplique a teoria subjetiva da reparação civil, não há como negar a responsabilidade da empregadora pela morte do empregado.”
No caso, ficou comprovado que o trabalhador faleceu ao cair dentro de uma máquina denominada “hidra pulper”, onde era triturado o papelão bruto, transformando-o em uma pasta. Ainda que a reclamada tenha tentado atribuir culpa exclusiva ao trabalhador, “que teria se arvorado a realizar função estranha ao seu mister, o fato é que a prova testemunhal colhida no inquérito civil e no processo cível, bem como no laudo de criminalística não deixam dúvidas de que as funções atribuídas ao ‘de cujus’ o expunham a risco”, afirmou o acórdão. O trabalhador, que era operador de guincho, também alimentava a máquina “hidra pulper” na ausência dos operadores de máquina.
Segundo laudo pericial, a máquina “nada mais é do que um grande liquidificador, cuja boca mede 3 metros de diâmetro, com 2,5 m de profundidade. Acima da superfície do piso, essa máquina possui apenas uma mureta com 80 cm de altura. Seu corpo cônico fica abaixo dessa superfície, em posição subterrânea, tendo ao fundo a hélice de alta rotação e com grande poder de sucção”.
O perito registrou que a iluminação “no interior do galpão em que ocorreu o acidente era precária, pois naquela seção havia apenas duas lâmpadas. Por toda a seção não havia nenhuma sinalização de solo ou aérea que servisse para orientar o trânsito no interior do amplo galpão. Ao redor da ‘hidra-puper’, o piso metálico não possui revestimento antiderrapante, tornando-se escorregadio e sua boca era destituída de tampa ou de qualquer outro sistema de vedação além da mureta de 80 cm de altura que a circundava”.
Embora nenhuma testemunha tenha presenciado o acidente, o fato é que após notada a ausência do reclamante, e exauridas as buscas por ele nas dependências da empresa, de acordo com o encarregado de fabricação, um funcionário levantou a hipótese de que o empregado “poderia ter caído dentro do maquinário”. Esse funcionário trabalhava com a vítima na noite do acidente e, por volta das 21h30, teria pedido para ele colocar fardos de papel sobre a mesa enquanto iria até o banheiro. Quando retornou, não encontrou mais o colega e suspeitou que ele teria caído dentro da máquina.
O colegiado registrou, assim, que “a tentativa da empregadora de imputar a culpa pelo infortúnio ao trabalhador, vítima do acidente, é inaceitável e incompatível com o perfil do trabalhador vitimado e com as condições e métodos de trabalho a ele oferecidos”. Além disso, “o reclamante não era novato e já trabalhava na empresa havia três anos”, afirmou, e acrescentou que “medidas simples, que sequer importariam adição de gastos para a empresa, seriam capazes de evitar a morte do trabalhador (sinalização, barreiras de proteção e iluminação adequada, por exemplo)”. Também nenhum documento relacionado à segurança do equipamento foi apresentado, de modo que não seria “possível aferir quais eram as condições de manutenção e funcionamento da máquina manuseada quando da ocorrência do acidente”, nem saber “se o equipamento possuía dispositivo de segurança”, e por tudo isso “não há como afastar a responsabilidade atribuída à reclamada, bem como a culpa grave que sobre ela recai”, concluiu.
Com base nessa análise, o colegiado manteve o valor arbitrado a título de indenização por dano moral ao herdeiro e a título de pensão mensal. “Não há dúvidas de que o falecimento trouxe prejuízos materiais ao filho, porque além ceifar a convivência com o pai, eliminou a possibilidade de o ‘de cujus’ auxiliar na subsistência, gerando desequilíbrio da renda familiar auferida”, afirmou a decisão. Quanto ao valor, arbitrado em dois salários-mínimos mensais no período de 1999 a 2020, o acórdão incluiu na base de cálculo da pensão mensal “o terço de férias e o salário trezeno”.
Fonte : TRT15