A juíza Lucilea Lage Dias Rodrigues, em sua atuação da 17ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, reconheceu a relação de emprego pretendida por um professor com a instituição de ensino para a qual ele prestou serviços como pessoa jurídica.
No caso, o professor dava aulas em cursos jurídicos e manteve relação de emprego com a rede de ensino por cerca de três anos, no período de outubro de 2006 a junho de 2009, quando teve rescindido o contrato. Em julho de 2009, apenas cinco dias após a extinção do vínculo de emprego, ele foi recontratado para prestar serviços como pessoa jurídica, assim permanecendo até outubro de 2016. Mas, pelo exame das provas, principalmente testemunhal, a julgadora concluiu que ficou evidente a subordinação na prestação de serviços do professor, condição que permaneceu mesmo depois da alteração contratual. Dessa forma, de acordo com a juíza, o contrato formal de prestação de serviços pactuado entre as partes não tem o efeito de encobrir o contrato realidade de emprego, que deve prevalecer. Na sentença, foi reconhecido o vínculo de emprego entre o professor e a instituição de ensino, pelo período trabalhado como pessoa jurídica, com a condenação da ex-empregadora a pagar ao autor os direitos trabalhistas decorrentes.
Na conclusão da magistrada, tratava-se de caso típico de “pejotização”, que acontece quando os empregados são contratados como pessoa jurídica em razão da imposição direta ou indireta da empregadora. “Nesse contexto, o trabalhador é um prestador de serviços aparente, mas, na prática, atua como verdadeiro empregado, desempenhando suas atividades com pessoalidade e subordinação. Em síntese, a “pejotização” é utilizada para fraudar a aplicação da legislação trabalhista”, explicou na sentença. Registrou que a contratação para prestação de serviços sem habitualidade e subordinação é lícita, mas que isso não pode ser usado para mascarar a relação de emprego, como ocorrido no caso.
Na decisão, foi pontuado que, no âmbito da legislação trabalhista, a questão deve ser analisada sob a ótica do princípio da “primazia da realidade”, ou seja, quando a realidade dos fatos prevalece sobre o contrato formal de prestação de serviços. E, no entendimento da juíza, as circunstâncias verificadas no caso não deixaram dúvidas de que o professor continuou prestando serviços com a presença dos pressupostos caracterizadores da relação de emprego, principalmente a pessoalidade e a subordinação.
Em depoimento, o representante da instituição reconheceu que o autor atuava como professor e ministrava palestras em cursos regulares, semestrais ou anuais, além de ter sido coordenador do curso de pós-graduação, de 2014 a 2016. Afirmou que o professor comparecia na empresa uma vez por semana para gravar aulas por três horas para cursos livres e, uma vez por mês, também por três horas, para os cursos de pós-graduação. Caso não pudesse comparecer, disse o preposto, a instituição providenciava o remanejamento ou inversão de aulas com outros professores e não uma substituição. O preposto reconheceu que passagens, hospedagem e alimentação eram custeadas pelas instituições, as quais integravam a rede de ensino.
Para a juíza, as declarações do preposto revelaram que o autor sempre desempenhou as mesmas atividades, que não foram alteradas depois da mudança da sua contratação como pessoa jurídica. Demonstraram, ainda, que era a instituição de ensino quem assumia os riscos da atividade, custeando todas as despesas do autor para ministrar as aulas, o que contribuiu para o reconhecimento da condição de empregadora da ré, nos termos do artigo 2º da CLT.
Além disso, os relatos das testemunhas confirmaram que as condições de trabalho não foram alteradas após a rescisão do contrato de emprego e sua contração como pessoa jurídica. Ficou demonstrado que, mesmo depois da baixa na CTPS, ele tinha os horários de trabalho definidos pela empregadora e não podia se fazer substituir por outro profissional. Além disso, o professor tinha o trabalho fiscalizado e avaliado pelas rés, seja por meio da coordenação pedagógica, ou por avaliações trimestrais disponíveis na plataforma dos alunos. Diante desses fatos, a juíza considerou evidenciado que o professor continuou prestando serviços com a presença dos pressupostos legais da relação de emprego, principalmente a pessoalidade e a subordinação, após ser contrato como pessoa jurídica.
Chamou a atenção da julgadora o fato de o prazo entre o suposto término do contrato de trabalho, relativo ao período 2006 a 2009, e a assinatura do contrato de prestação de serviços ter sido de apenas cinco dias, o que, no entendimento da magistrada, reforça a tese da existência de fraude trabalhista.
Asseverou a juíza que, nos termos do artigo 818, II, da CLT, que dispõe sobre o ônus de prova, cabia à instituição de ensino demonstrar que o professor não atuou na condição de empregado e que houve modificação nas tarefas cotidianas e na forma de trabalhar, após o término formal do vínculo de emprego. Entretanto, isso não ocorreu.
“Nessa linha, entendo que o reclamante apenas continuou a exercer suas atividades laborais como professor após a ruptura do vínculo de emprego, com a subordinação inerente, ainda que se verifiquem algumas pactuações no que se refere a agendamento e remanejamento de aulas. Dessa forma, tenho que não há elementos nos autos aptos a demonstrar a mudança no cotidiano laboral do demandante tampouco que houve organização autônoma do modo de prestar serviços”, destacou a magistrada. Para a juíza, ficou nítida a ingerência da reclamada na organização do trabalho do autor, inclusive em razão da exigência de pessoalidade.
A sentença foi confirmada nesse aspecto, em acórdão proferido pelos julgadores da Quinta Turma do TRT mineiro. Há recurso aguardando julgamento no TST.
Fonte: TRT3