A autora trabalhava em supermercado na capital mineira e era sexualmente assediada pelo chefe. Foi o que constatou a juíza Priscila Rajão Cota Pacheco, em sua atuação na 16ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, ao julgar a ação ajuizada pela empregada contra a rede de supermercados. A magistrada reconheceu o pedido da trabalhadora de rescisão indireta do contrato de trabalho, condenando a rede de supermercados ao pagamento das verbas rescisórias decorrentes, como aviso-prévio indenizado, 13º salário e férias + 1/3 integrais e proporcionais e multa de 40% do FGTS. A empresa ainda foi condenada a pagar à profissional indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil. Os julgadores da Décima Turma do TRT-MG aumentaram o valor da indenização por danos morais para R$ 20 mil.
Rescisão indireta
Conforme constou da sentença, a rescisão indireta do contrato de trabalho equivale à justa causa do empregador. Ocorre quando o empregador pratica falta grave, entre as previstas no artigo 483 da CLT, a qual deve ser provada pelo empregado.
“Ainda que o Direito do Trabalho dê prevalência à continuidade e à manutenção do pacto laboral, não deve ser perpetuado um contrato de trabalho no qual a contraprestação é relegada, sob pena de subversão de toda a lógica inerente a este ramo especializado do Direito”, destacou a juíza.
Segundo a magistrada, não é qualquer descumprimento de obrigação contratual que autoriza a rescisão indireta. Para tanto, a falta grave praticada pelo empregador deve resultar na quebra da confiança, de forma a tornar impossível a continuidade do vínculo de emprego.
Assédio sexual – Conduta tipificada no Código Penal
De acordo com a julgadora, não há dúvida de que o assédio sexual, se provado, autoriza a rescisão indireta do contrato de trabalho, já que a conduta é de tamanha gravidade que foi tipificada como crime no artigo 216-A do Código Penal, nos seguintes termos: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.” A pena é de um a dois anos de detenção.
Prova testemunhal
No caso, o relato de uma testemunha apresentada pela autora foi decisivo para a condenação da empresa. Para a julgadora, o depoimento conteve riqueza de detalhes sobre situações que foram presenciadas pela testemunha e que comprovaram o assédio sexual sofrido pela empregada.
A testemunha, que trabalhava em setor vizinho, afirmou ter presenciado o gerente se reportando à autora com conduta e/ou fala de conotação sexual, por duas vezes. Afirmou que a colega não correspondia às investidas do chefe e que chegou a chorar duas vezes.Acrescentou que a relação da empregada com os demais colegas era normal e tranquila e que ela era “mais calada e evangélica”.
As falas da testemunha foram transcritas na sentença e chamaram a atenção da juíza: “Já presenciou o gerente falando para a reclamante que o seu noivo não era homem para ela, mas ele sim e que se ela ficasse com ele, pois ele tinha vontade, daria tudo para ela; teve uma situação que foi na frente de todos, na época de Natal, quando o supermercado distribuía carnes aos funcionários e a reclamante perguntou ‘este ano é peru? e o gerente respondeu: ‘por quê? Está faltando peru na sua casa? Eu te dou’”.
Segundo observou a magistrada, a testemunha confirmou que o gerente deixou de promover a empregada para setor para o qual ela havia recebido treinamento, em reprimenda à ausência de correspondência das suas investidas. A testemunha ainda mencionou que o chefe permanecia muito tempo no setor de trabalho da autora, sem razão aparente. Narrou que outros colegas de trabalho (e ela própria) passaram por situações constrangedoras com o gerente, sendo que muitos temiam suas reprimendas.
Embora a empresa tenha afirmado que mantinha canal de denúncia e que a empregada nunca registrou os fatos, não houve, no processo, qualquer evidência da existência da ouvidoria, seja na prova documental ou oral. De qualquer forma, na visão da magistrada, ainda que a autora tivesse denunciado o ocorrido, isso não afastaria o caráter ilícito das condutas já praticadas pelo gerente.
Para a julgadora, o fato de a testemunha apresentada pela empresa não ter presenciado o assédio sexual sofrido pela empregada não afasta a sua ocorrência. “Isso porque, como é sabido, o assédio sexual, dado o seu caráter íntimo, muitas vezes é praticado de forma dissimulada, sendo que, não raras vezes, a reação da vítima é silenciosa – seja pelo constrangimento sofrido, pelos transtornos de ordem pessoal dali desencadeados e/ou pelo temor de represálias por parte do agressor, entre outros vários motivos que se possa cogitar”, destacou a magistrada.
Na conclusão da juíza, a prova testemunhal foi suficiente para convencer de que a empregada sofreu constrangimento com o intuito de obtenção de vantagem ou favoritismo sexual, tendo o gerente se aproveitado da condição de superior hierárquico para praticar a conduta ilícita, nos termos do artigo 216-A do Código Penal.
Por essas razões, foi reconhecida a prática de falta grave pela empresa, na pessoa de seu preposto, o que levou à declaração da rescisão indireta do contrato de trabalho.
Danos morais
Segundo o pontuado na sentença, o dano moral passível de ser ressarcido por indenização é aquele que atinge a honra do indivíduo, tanto em seu enfoque subjetivo, consubstanciado na violência à sua intimidade e integridade moral, como sob o prisma objetivo, consistente na sua dignidade e imagem exteriorizada para o mundo.
Na análise da juíza, tendo em vista o que foi apurado, houve dano à dignidade, à honra e à imagem da trabalhadora, já que evidenciado o assédio sexual por parte do superior hierárquico, rechaçado pela empregada.
A testemunha da reclamante relatou que foram feitas denúncias por colegas de trabalho ao RH da empresa, que, entretanto, não surtiram efeito. Na visão da magistrada, isso demonstra que a empregadora se omitiu perante a conduta do gerente, seu preposto, ratificando a sua impunidade e contribuindo para a reiteração do assédio sexual contra a reclamante. De acordo com a conclusão adotada na sentença, estiveram presentes, no caso, os elementos necessários à obrigação de indenizar, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil: o dano, a culpa e o nexo causal entre eles.
O valor da indenização, de R$ 10 mil, foi fixado pela juíza levando em conta as condições das partes, a gravidade e a natureza do fato, o bem jurídico protegido, a repercussão do ato e a intensidade da culpa, com base no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, nos artigos 186, 927, caput, 932, III, do Código Civil e nos artigos 223-A, 223-B, 223-E e 223-G da CLT.
Para evitar futuros questionamentos, a magistrada ressaltou que o Plenário do TRT-MG já declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º a 3º, do artigo 223-G, da CLT, acrescidos pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017). As normas estabelecem uma espécie de tabelamento das indenizações com valores máximos a partir do salário recebido pela vítima, o que, segundo a juíza, “constitui violação ao princípio da dignidade humana e aos direitos fundamentais à reparação integral dos danos extrapatrimoniais e à isonomia, previstos nos art. 1º, III, e 5º, caput e incisos V e X, da CRBF/1988”. Os julgadores da Décima Turma do TRT-MG aumentaram o valor da indenização por danos morais para R$ 20 mil. Atualmente, o processo aguarda decisão de admissibilidade do recurso de revista.
Fonte: TRT3