A juíza Katarina Roberta Mousinho de Matos Brandão, em exercício na 4ª Vara do Trabalho de Brasília, garantiu a uma analista da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) o direito à redução da jornada de trabalho – sem redução salarial – para que possa acompanhar o tratamento do filho, que sofre de epilepsia e distúrbios neurológicos e psicológicos. A magistrada salientou que a ordem constitucional prevê que cabe à família garantir às crianças o direito à vida e à saúde, e que existe uma desigualdade fática estrutural entre homens e mulheres, sendo delegado à mulher, em regra, o cuidado e a responsabilidade em acompanhar os filhos ao médico, à escola e demais atividades relacionadas às suas necessidades.
Mãe de três filhos menores – de 13 e 7 anos e um bebê de cinco meses – a trabalhadora ajuizou reclamação para pedir a redução de sua carga horária de trabalho em 50%, sem redução salarial e sem a necessidade de compensação da jornada, enquanto houver necessidade de acompanhamento do filho de 7 anos, diagnosticado com epilepsia e distúrbios neurológicos e psicológicos.
Além de ministrar remédios controlados, a mãe diz que precisa acompanhar o tratamento do filho, que inclui acompanhamento multidisciplinar, com reavaliações neurológica e psiquiátrica, acompanhamento escolar e acompanhamentos fonoaudiológico, psicopedagógico, psicológico e terapia ocupacional. Disse que com sua jornada de trabalho de oito horas por dia, de segunda a sexta-feira, mesmo em trabalho remoto, nem sempre consegue acompanhar o filho em seu tratamento, ficando impossibilitada de oferecer outras atividades importantes na garantia de seu desenvolvimento neuropsicomotor.
Em defesa, a ECT alega que como empresa pública não pode praticar atos administrativos que não estejam permitidos em lei e que não há previsão em normativo interno, acordo coletivo ou legislação que autorize a empresa conceder a redução da jornada de trabalho sem a redução salarial. E que, se deferida a redução de jornada, teria que haver redução proporcional do salário, para não caracterizar tratamento diferenciado com os demais empregados.
Direito à vida e à saúde
O direito à vida e à saúde são princípios constitucionais inalienáveis, assim como a proteção à criança, que é obrigação do Estado e da sociedade, salientou a magistrada na sentença. Nesse sentido, citou o artigo 227 da Constituição Federal e o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/1990), que dizem ser dever da família garantir à criança o direito à vida e à saúde, e o artigo 7º também do Estatuto, segundo o qual “a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.
Para a magistrada, ainda que não exista previsão expressa nos normativos aplicáveis aos empregados da ECT, “a ordem jurídico-constitucional, analisada no seu conjunto, considerando os princípios constitucionais e a valorização da pessoa, não impede que o magistrado possa decidir, para o deslinde da hipótese em análise, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.
Relatórios
Os documentos juntados aos autos pela trabalhadora, ressaltou a magistrada, trazem elementos que demonstram a gravidade da condição de saúde da criança, apontando a necessidade dos cuidados maternos que justifiquem a redução de jornada de trabalho. Após citar laudos e relatórios médicos e psicológicos e os tratamentos em curso, a magistrada disse ser evidente a necessidade de acompanhamento multiprofissional do menor – principalmente por demonstrar haver sérios comprometimentos decorrentes da patologia por ele apresentada – bem como a necessidade de minuciosos e rígidos cuidados com o dia a dia do filho por parte da mãe, principalmente durante a pandemia de covid-19, que amplificou o pânico, a ansiedade, a depressão e outras inúmeras dificuldades de relacionamento social.
Além disso, frisou que a inobservância do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.257/2016), implicaria necessariamente em discriminação, principalmente ao se privar a trabalhadora de ter o direito de desfrutar tempo maior com seu filho, quando este claramente necessita de maior cuidado que uma criança integralmente saudável. “A aplicação do princípio da igualdade é imprescindível”, salientou, lembrando que pode ser aplicada ao caso, por analogia, a Lei 13.370/2016, que concede horário especial, sem compensação de jornada, para o servidor público federal que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência física.
Perspectiva de gênero
A magistrada também afastou qualquer alegação de que a criança não seria dependente dos cuidados da mãe nos atos da vida cotidiana ou que ela não seria a única responsável por zelar pela saúde, educação e bem-estar do filho, até pelo fato de a trabalhadora estar atualmente em regime de trabalho remoto em razão da pandemia. Nesse ponto, a juíza disse ser necessário um julgamento sob perspectiva de gênero, por reconhecer que existe uma desigualdade fática estrutural entre homens e mulheres. “Em regra é delegado à mulher o cuidado e a responsabilidade em acompanhar os filhos ao médico, à escola e demais atividades relacionadas às necessidades da criança em questão, à luz da Convenção Interamericana de Belém do Pará (Decreto nº 1.973/96)”.
Assim, considerando que as provas juntadas aos autos são idôneas e foram produzidas e apresentadas segundo os critérios legais, a magistrada julgou procedente o pedido para conceder a redução de carga horária em 50%, sem redução salarial e sem a necessidade de compensação da jornada, enquanto houver necessidade de acompanhamento do filho.
Fonte: TRT10